Esta é a trágica história do maior benfeitor da humanidade da mitologia grega, o titã Prometeu, de como ele criou o homem, ensinou-lhe as artes e a ciência, e por isso mesmo foi severamente punido pelo ciumento Zeus
Quase todas as culturas possuem histórias que narram como a humanidade surgiu. Na mitologia grega, a criação do homem e da mulher é uma história em segundo plano no mito trágico de Prometeu.
A principal fonte do mito de Prometeu é a obra do poeta grego Hesíodo, do século VIII a.C. Em “Trabalhos e dias” e em “Teogonia“, Hesíodo traz as versões mais antigas conhecidas das artimanhas de Prometeu contra Zeus, e da vingança de Zeus enviando Pandora ao irmão do titã, Epimeteu. Já na peça “Prometeu Acorrentado“, do dramaturgo Ésquilo, do século VI a.C, e no poeta latino do primeiro século Virgílio, em sua obra “Metamorfoses“, vemos algumas novidades sobre o mito, como a criação da tribo dos homens a partir de Prometeu e Epimeteu.
A história que iremos contar entrelaça as versões dessas quatro obras citadas acima.
A criação da tribo dos homens
Prometeu e Epimeteu foram dois titãs, filhos de Jápeto e Tétis, que se encarregaram de criar a tribo dos homens. Conta-se que Prometeu começou a moldar o barro na região grega da Fócia, quando criou por acaso o homem. Fez vários modelos deles e deu-lhes vida.
O nome Prometeu significa “previsão”, relacionado ao dom do titã de prever o futuro. Tal como ele, assim os homens foram criados no início, com o mesmo dom de previsão. Por causa disso, eram homens atormentados e amedrontados, pois, sendo feitos mortais, viam sempre diante dos olhos a própria morte. Por isso, o titã resolveu tirar deles esse dom, reservando-o a apenas alguns dos homens: os profetas e videntes.
O irmão Epimeteu ficou encarregado de distribuir entre os animais mortais, incluindo o homem, os diversos dons que havia em sua oficina. Porém, o nome Epimeteu significa “visão tardia”, ou seja, Epimeteu é o oposto de seu irmão Prometeu, pois não consegue ver com antecedência. Sendo assim, o titã descuidado distribuiu os dons a cada um dos animais de forma tão desorganizada que, quando precisou dar algum dom aos homens, já não restara nenhum, somente desgraças e maldições. Epimeteu, no entanto, deixou essas desgraças bem guardadas em sua oficina, numa ânfora.
Como Epimeteu não havia separado nenhum dom à tribo dos homens, Prometeu, que tinha grande estima por sua criação, ensinou-lhes todo tipo de artes e ciência. Ensinou-lhes os números, as letras, astronomia, matemática etc. Com isso, os homens se tornaram tão especiais que instigaram o ciúme de Zeus.
Ora, Zeus tinha motivos para andar sempre amedrontado e preocupado com algum deus, titã ou animal mortal pronto a destroná-lo. Vinha de uma família de rebeldes, sendo ele mesmo o principal. Além do mais, saíra recentemente de uma terrível batalha contra os titãs, chamada de Titanomaquia. Por isso, enciumado com a tribo dos homens, exigiu-lhes tributos de sacrifícios animais, de modo que não restasse carne para os homens comerem, e assim morreriam de fome.
Prometeu previu a intenção de Zeus e assumiu a causa dos homens, tramando contra Zeus. Em Mecone, em um banquete em que havia homens e deuses, Prometeu dividiu um boi em duas partes: numa das partes, separou carne e entranhas ricas em gordura, e as escondeu no ventre do boi; na outra parte, tomou os ossos do boi e os cobriu com brilhante e apetitosa gordura. Astuciosamente, Prometeu pediu que Zeus escolhesse qual das partes do boi desejava, deixando a outra parte para os homens. O rei dos deuses, desejando com os olhos a gordura brilhante, escolheu os ossos por ela encobertos, deixando a carne e as entranhas para os homens.
Quando Zeus se deu conta do tramoia do titã amigo dos homens, decidiu vingar-se e não permitiu mais que a tribo dos homens tivesse acesso ao fogo, impedindo-os de cozinhar a carne, bem como de desenvolver as ciências e a civilização: “Depois disso, então, da raiva sempre se lembrando, não dava aos freixos o ímpeto do fogo incansável para os homens mortais” (Teogonia, 564-65).
Prometeu viu o que Zeus fizera à sua amada criação, e precaveu-se no íntimo. Sabendo que Zeus ainda mais malefícios poderia trazer, alertou o irmão titã:
– Irmão, jamais receba presente dos deuses, pois eles são sempre traiçoeiros.
Mas, como já vimos, Epimeteu era um irmão pra lá de descuidado.
Pandora e a ânfora com as maldições
Naquela época “as tribos dos homens viviam afastadas de males e longe de duro labor e aflitivas doenças, as que dão morte aos varões” (Trabalhos e dias, 90-1). Para que não ficassem sem se alimentar da carne cozida, o benfeitor titã Prometeu resolveu rebelar-se novamente contra Zeus em favor dos homens. Decidiu que roubaria o fogo para entregar às suas criaturas.
Aguardando o tempo apropriado, naquele momento em que o titã Hélio atravessava os céus com seu poderoso carro de fogo para iluminar o dia, Prometeu, sorrateiramente, estendeu os braços apontando uma tocha habilidosamente preparada, até que ela pegasse fogo. Roubando aquela chama do carro do sol, Prometeu dirigiu-se rapidamente às tribos dos varões que lhe eram tão queridos.
Prometeu entregou a tocha aos homens, devolvendo-lhes o fogo, mas aquela traição não passaria despercebida pelo rei dos deuses.
Quando Zeus viu as casas iluminadas na noite, e as fogueiras cozinhando a carne, começou a maquinar uma vingança em seu coração, e então “pelo fogo fabricou um mal para os homens” (Teogonia, 570).
A Hefesto, o deus do fogo e dos metais, disse: “Eu a eles, pelo fogo, darei um mal com que todos se deleitarão no ânimo, seu mal abraçando” (Trabalhos e dias, 56-7).
Ordenou ao deus que modelasse um ser semelhante às deusas. E cada um dos deuses olímpicos contribuíram com dons. Afrodite derramou-lhe o charme e o encanto; Atena, a astúcia e a sabedoria; e Hermes colocou nela o dom da lábia e de ludibriar pelas palavras.
Depois de criada, Hermes a chamou de Pandora, “porque todos que têm casas olímpias deram-lhe dom” (Trabalhos e dias, 81). Assim, o deus de asas nos pés a levou como um presente dos deuses, não a Prometeu, pois Zeus temeu que o titã astuto previsse a estratégia. Mas ao atrapalhado Epimeteu.
O titã tolo, ao receber um presente tão encantador, não seguiu o conselho do irmão Prometeu, e não somente recebeu o presente, como casou-se com Pandora, que viria a ser a primeira entre todas as mulheres humanas.
Tudo parecia ir muito bem, afinal Pandora era uma mulher encantadora. Até que, um dia, sozinha na oficina em que Epimeteu construíra os homens, ela observou uma linda e curiosa ânfora bem guardada em sua estante.
Guiada pela curiosidade, afinal herdara a inteligência de Atena, Pandora aproximou-se da estante, tomou a ânfora nos braços, e com todo o cuidado, tirou-lhe a tampa para averiguar o conteúdo.
Foi nesse momento que a mulher viu sair dali todos os males, adversidades e maldições que o marido havia guardado das sobras da criação dos homens. Da ânfora elas escaparam para entrarem no coração dos homens e tomarem seu corpo de doenças, e suas mentes com maquinações terríveis.
Derrubada pelo susto, Pandora apressou-se em fechar a ânfora, a tempo de apenas deixar guardada dentro dela somente um dom, ambíguo – a esperança. Tal como Pandora, para os gregos, a esperança é um mal e um bem, é ambígua.
Deste modo, foi bem sucedido o plano de Zeus de perpetrar o mal entre os homens.
A condenação de Prometeu
Mas Zeus não se contentou em apenas vingar-se dos homens, decidiu condenar definitivamente o titã que tanto amava aquelas criaturas. Convocou Cratos e Bia, e ambos tomaram Prometeu à força e o aprisionaram com correntes forjadas por Hefesto no alto do monte Cáucaso, na Cítia.
Acorrentado no monte, uma terrível águia pousou em seu ventre sem que ele pudesse expulsá-la. Enviada por Zeus, a águia começou a perfurar o ventre do titã até que chegasse ao seu fígado, para então começar a devorá-lo. Preso nas correntes de Hefesto, nada podia fazer o titã amante da humanidade a não ser sofrer aquela dor lancinante. Quando o dia passou, o terror o tomou ainda mais quando seu fígado voltou a crescer, e a águia retornou no outro dia para reiniciar o suplício. Esse era o terrível castigo de Zeus por Prometeu ter ajudado a humanidade, que se repetiria eternamente.
Mas o terrível destino de Prometeu teria um fim apropriado, pois seria liberto por um homem, da mesma raça que tanto ajudara.
Prometeu negociou com Zeus sua liberdade, dizendo-lhe que revelaria aquele que estava destinado a destronar o rei dos deuses. Por isso, Zeus enviou Héracles, o maior de todos os heróis, que com uma flecha matou a águia sobre o monte, e com sua força prodigiosa arrebentou as correntes forjadas por Hefesto.
No entanto, para que Prometeu fosse liberto, o centauro Quíron o substitiu no Cáucaso, mas essa é uma outra história.
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