Esta é aquela história em que Pedro Malasartes se aproveita de uma mulher avarenta e do seu marido ingênuo com um urubu adivinho
Pedro Malasartes é um personagem tradicional dos contos populares do Brasil. É um exemplo clássico de novela picaresca do homem pobre que consegue vencer os poderosos, os orgulhosos e os ricos pela esperteza, inteligência e peripécias.
Mas a origem do personagem não é brasileira. Os contos de suas aventuras são encontrados nos países ibéricos. Em Castela, por exemplo, é chamado de Pedro Udermales, e em Andaluzia, de Pedro Urdes Lamas.
As histórias de Malasartes talvez tenham surgido nesses países pela influência de outros personagens dos contos dos Irmãos Grimm e até das histórias árabes do Nasrudin.
Uma das mais antigas citações do personagem encontra-se em um cancioneiro do século XIII, o “Cancioneiro da Vaticana”, especificamente na cantiga 9418. Desde lá, muitas outras histórias já foram produzidas. Até mesmo o autor de “Dom Quixote”, Miguel de Cervantes, escreveu sobre o Malasartes, no conto “Pedro de Udermales”.
No Brasil, ele chegou pela tradição portuguesa e se popularizou como um personagem caipira, mentiroso e esperto, sempre tirando vantagem sobre os poderosos, os ricos e avarentos. Duas óperas importantes já foram escritas sobre ele, uma de Graça Aranha, e outra de Mário de Andrade. Mazzaropi consolidou o personagem no cinema em “As aventuras de Pedro Malazartes” e até o Renato Aragão já o interpretou.
A história que iremos contar foi adaptada dos livros “Contos Tradicionais do Brasil“, de Câmara Cascudo, e “As 100 Melhores Lendas do Folclore Brasileiro“, de A. S. Franchini.
Pedro Malasartes e o urubu adivinho
Certa vez, Pedro Malasartes caminhava por essas estradas perambulando por cá e por lá, quando encontrou um pobre dum urubu com uma das asas quebradas.
O urubu se batia na areia, pulava e pulava, mas caía sem conseguir voar. Malasartes olhou para a ave e pensou consigo mesmo:
– Não se nega uma ajuda para uma pobre coitada.
Segurou o bicho, agasalhou-o nos braços e continuou sua peregrinação.
Era tarde da noite e o estômago doeu de fome. Viu de longe que numa casinha ali perto uma senhora preparava um fino banquete, com vinho e leitão assado. Chegou perto da casa, bateu na porta e pediu:
– Minha senhora, será que não há nessa casa um pedaço de pão com água para esse pobre coitado?
– Vai te embora daqui, sujeito, e leva essa sua ave, aqui nos falta comida para nós mesmos, quanto mais para a esmola – mentiu a mulher.
– Minha senhora – insistiu Malasartes, já injuriado com a mulher – se lhe falta alimento, não lhe falta abrigo. Será que seu teto não pode acolher um homem e sua ave por uma única noite fria? Não se nega ajuda a um pobre coitado.
– Terminamos essa conversa por aqui. Não é certo para uma senhora honrada como eu receber um homem nessa hora da noite enquanto meu marido está em viagem.
E a mulher fechou-lhe a porta na cara.
Mas Malasartes pegou a senhora na mentira duas vezes. Pela mesma brecha da janela que havia visto o banquete com vinho e leitão, viu também um homem vistoso dividindo a mesa com ela.
Irritado, Malasartes foi descansar numa árvore perto dali.
Enquanto a noite correu, no entanto, o malandro viu chegar adiantado aquele que parecia ser o dono da casa, o verdadeiro marido da senhora. E quando o homem bateu na porta da frente, Malasartes viu o jantar sendo escondido no armarinho da sala, e o homem vistoso fugindo pela porta dos fundos.
O marido entrou na casa e a cabeça engenhosa do Malasartes continuou a funcionar:
– Não é hoje que vou dormir com fome.
Bateu na porta novamente e dessa vez foi o marido que abriu:
– Meu senhor – pediu Malasartes – será que não há nessa casa um pedaço de pão com água para esse pobre coitado?
– Rapaz – respondeu o marido – eu acabei de chegar de viagem, e minha amada esposa preparou-nos apenas uma sopa de galinha simples. Mas não se pode negar ajuda a um pobre coitado. Entre e divida a mesa com a gente.
Os três se colocaram à mesa e a mulher não escondia o olhar raivoso para o malandro. Malasartes, por sua vez, fingia conversar com o urubu.
– Mas o que é isso? – perguntou o marido – o que você conversa com o urubu? Acaso esse urubu fala?
– Não só fala, meu senhor, como é urubu adivinho.
– Ora, ora. E o que esse urubu anda adivinhando pra você?
– Ele me disse que jura que há vinho e leitão escondido no armarinho desta sala.
O marido deu uma boa risada e, só para continuar a brincadeira, foi conferir. Abriu o armarinho da sala e encontrou o vinho e o leitão.
Assim, naquela noite, o casal e o convidado inusitado dividiram o leitão e o vinho num banquete sobremodo farto.
O marido ficou tão satisfeito em ter conhecido o convidado com um urubu adivinho que o abrigou naquela noite e, no outro dia, antes de se despedir dele, ofereceu uma boa soma de dinheiro pela ave. Pedro Malasartes vendeu o urubu e sumiu dali muito antes do marido descobrir a emboscada em que havia caído.
E foi assim que Pedro Malasartes ludibriou a mulher adúltera e avarenta e seu marido ingênuo.
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